Em um dos cursos que estou fazendo na área de Educação Física, resolvi apresentar uma espécie de resenha comentada de um filme indiano que assisti sobre crianças com necessidades e talentos especiais. Estou falando do magnífico Taare Zameen Par ou como ficou conhecido no Brasil "Toda criança é especial". O trabalho recebeu pontuação máxima e resolvi postá-lo aqui para insentivar meus alunos, colegas e amigos a assistí-lo também.
Assistam, vale a pena!
Beijo a todos
Andréa
1. ENSINANDO CRIANÇAS COM TALENTOS E NECESSIDADES ESPECIAIS
1.1 INTRODUÇÃO
“Taare Zameen Par”, ou como ficou conhecido no Brasil, “Toda criança é especial” é um filme delicado e questionador que fala da relação da escola e do professor com o aluno. Produzido e dirigido pelo indiano Aamir Khan, este longa-metragem aborda a vida de um garoto de 9 anos que apresenta inúmeros problemas de rendimento e adaptação escolar, enfrentando obstáculos muito sérios de relação com os pais, na vizinhança e na escola. Toda a história gira em torno da falta de preparo da sociedade em identificar e auxiliar indivíduos que portam necessidades ou talentos especiais, ou ambos simultaneamente.
1.2 DESENVOLVIMENTO
Ishaan Awasthi, o sonhador garoto, já repetiu uma vez o terceiro ano do sistema educacional indiano e corre o risco de repeti-lo novamente. As letras dançam em sua frente, como ele próprio diz, e não consegue acompanhar as aulas nem focar sua atenção. Na aula de inglês há uma passagem muito bem dramatizada na qual fica claro que o garoto apresenta algum problema cognitivo. A professora está explicando a matéria para a turma que presta atenção, enquanto isso Ishaan se distrai com fatos que ocorrem fora da sala de aula. A professora percebe sua distração e pede que ele leia o trecho que os alunos estão estudando. Ele nem consegue encontrar a página correta e um colega de turma o ajuda a faze-lo. Após tentar ler o trecho inúmeras vezes sem sucesso e sendo pressionado de forma cada vez mais intensa pela professora, ele reclama que as letras estão dançando. Toda a turma ri com a sua colocação e a professora se altera. Por fim, incapaz de ler o trecho, ele começa a gritar e a cena termina com a professora colocando-o para fora da sala de castigo. Ele passa toda a aula de inglês em pé, do lado de fora da classe. Neste momento, outros alunos mais velhos, passam e chacoteiam dele, com frases do tipo: “hei garoto, de novo ?”, “e aí, o que aprontou dessa vez?”, com isso entendemos que esse tipo de acontecimento é bem corriqueiro na vida do garoto. Durante todo o filme, é mostrado que ele tem claros talentos artísticos que não são explorados, mas sim fracamente ignorados. Ele desenha historinhas, faz um uso muito especial das tintas e lápis, mas recebe pouco estimula para se dedicar a essas tarefas.
Quando ele retorna do castigo para a próxima aula, seus colegas de classe o lembram, em tom jocoso, que ele deveria ter trazido as últimas provas de matemática assinadas. Nesse momento, percebemos todo o risco que corre a criança com deficit de atenção, pois ele resolve matar a aula de matemática e ficar andando a esmo pelas ruas da cidade, já que havia dado suas provas para os cachorros rasgarem. À noite ele implora ao irmão que o encubra, falsificando a assinatura da mãe em uma carta que justifica sua falta na aula devido a uma febre repentina. O irmão, à contra gosto, faz o que ele pede.
Há também uma outra passagem marcante, na qual Ishaan está sentado desenhando enquanto os garotos da vizinhança jogam bola. A bola escapa e se aproxima dele, os garotos pedem para que ele arremesse a bola de volta, mas em um total gesto de descoordenação motora, ele lança a bola além dos muros. O garoto líder fica muito bravo e os dois brigam. A mãe do garoto vem queixar-se aos pais dele.
Em casa, todos os problemas do garoto de ritmo e foco se repetem em contraste com a organização do pai, mãe e irmão que seguem a agenda de uma vida produtiva. O valor está nessa pressa, na produtividade, como se isso fosse sinônimo de determinação, empenho e eficácia. Como bem colocou Rosely Sayão, “A pressa tomou conta de nossas vidas. Corremos desde que acordamos... Incentivamos a corrida sem fim dos mais novos: queremos que aprendam tudo rapidamente e cedo...”. Vivemos o ritmo desenfreado do capitalismo, tão marcado pela frase “tempo é dinheiro”. [1] Seu pai acredita apenas na hipótese de falta de disciplina e trata Ishaan com muita rudeza e falta de sensibilidade, visto que quase todos, de vizinhos aos professores, tratam-no como se ele fosse realmente uma “criança problema”: distraído, irrequieto e briguento. Após serem chamados na escola para falar com a diretora, o pai do garoto decide levá-lo a um internato, e devido à postura submissa da mulher indiana, a mãe não concorda, mas se cala e acata a decisão do marido. No internato, Ishaan Awasthi se depara com uma realidade ainda mais dura do ponto de vista pedagógico, pois é um local onde realmente prevalece a ordem e a disciplina, e os professores se põem a despejar matérias e conteúdos sem se preocuparem com a forma como os alunos assimilam tais ensinamentos, afinal todos são submetidos a inúmeros testes. Neste colégio, as aulas são mais intensas e exigentes, de modo que seus problemas de aprendizado e adaptação tornam-se ainda mais evidentes. O filme revela a percepção que ele tem das lições e conteúdos pedagógicos e podemos compreender a vida, sob a perspectiva de uma criança com dislexia. A lousa, por exemplo, se torna apenas um bloco branco repleto de rabiscos e símbolos ininteligíveis, e por isso ele busca descansar seus olhos na imagem de um pequeno lago, ou qualquer coisa que ocorra fora da aula.
Nesse ponto sentimos toda a dor e desolação de ser deixado em um colégio interno, longe dos pais e do irmão, dos quais tanto gosta. As aulas de Educação Artística são uma verdadeira decepção para Ishaan, visto que ele se depara com um professor cruel e mal humorado. O professor observa impaciente a distração dele, e faz um ponto na lousa e em seguida pede que Ishaan o localize, e quando este não consegue o professor o castiga severamente com a palmatória, visto que a filosofia do internato é a de “domar cavalos selvagens”.
No colégio interno, ele conhece Rajan Damodaram e o professor de literatura os coloca para sentarem-se juntos, visto que este é o melhor aluno da turma. Surge uma amizade verdadeira entre os dois garotos, e Rajan passa a se preocupar com a felicidade de Ishaan. Há um momento crucial em Rajan o surpreende em pé sobre o cercado de um precipício, em uma atitude visivelmente depressiva. Neste momento a vida de Ishaan começara a mudar, pois o amigo insiste que ele vá à aula com o professor substituto de Educação Artística. Há muito tempo que o garoto já não desenha mais.
Nessa aula substitutiva ele encontra um professor atento e dedicado que acaba por trazê-lo de volta à vida, com seu jeito diferente de educar. O professor de artes logo percebe que o garoto está profundamente deprimido, pois não responde a sua forma espontânea e divertida de ministrar aulas, visto que ele se apresenta aos alunos fantasiado, tocando uma flauta e convidando-os a dançar, cantar e, depois, desenhar livremente, deixando a imaginação correr solta no papel, livre de julgamentos: “Divirtam-se, estão livres para desenhar o que quiserem!”. Ou seja, tudo que Ishaan fazia antes de começar a sofrer opressão e violência no ambiente escolar e familiar.
Nesse momento, a decisão do professor substituto de interferir de forma positiva e consciente no destino do garoto torna-se fundamental, do contrário não haveria um fim construtivo para tamanho sofrimento. O professor ensina também em uma escola para crianças com necessidades especiais, além disso, quando criança ele também sofrera muito com a dislexia, e por isso pode identificar rapidamente essa síndrome em Ishaan. O professor toma o caso para si, assumindo inúmeras responsabilidades, indo à casa dos pais do garoto explicar-lhes sobre a dislexia, e chega a entrar em embate com o pai dele. No colégio, ele também o defende, provando para o diretor que o menino tem um talento especial em artes visuais, embora apresente inúmeras dificuldades em outras disciplinas. Por fim, o professor organiza um concurso de arte que envolve todo o colégio e no qual fica claro que cada pessoa possui pontos fracos e fortes, e enquanto alguns possuem muitas dificuldades em artes, outros se sobressaem. O filme termina com Ishaan vencendo o concurso, e finalmente sendo compreendido por todos que o cercam.
1.3 CONCLUSÃO
O filme nos faz pensar sobre a dura realidade de crianças portadoras de talentos e necessidades especiais, pois frequentemente não são compreendidas em nenhum desses dois aspectos, visto que principalmente no sistema educacional brasileiro há inúmeras deficiências para identificar e amparar esses sujeitos.
Podemos pensar no quanto, na qualidade de educadores, estaremos preparados para lidar com problemas como a dislexia, visto que para termos uma postura acertada, precisamos de conhecimento, de especialização, do apoio de associações e estudiosos, e da participação da família e da sociedade. Sabe-se que para compreender melhor a dislexia devemos nos remeter ao entendimento do ser humano: de quem somos, do que é memória, pensamento, percepção e linguagem.
Para se ter uma idéia da importância de discutiremos essa temática, cabe lembrar que os estudos mais abrangentes e sérios sobre o assunto, registram 20% da população americana como dislexa, ou seja, de cada 10 alunos em sala de aula, dois são disléxicos, com algum grau considerável de dificuldade na aprendizagem. Além disso, é relevante citar que estudos de universidades americanas revelam que entre 70% e 80% dos jovens delinqüentes do EUA apresentam alguma dificuldade de aprendizado.
No tocante à Educação Física, cabe-nos lembrar que a dislexia, assim como outras síndromes, pode causar ao portador muitas dificuldades de coordenação motora e consciência corporal. Entre os sintomas e sinais da dislexia podemos salientar os seguintes, lembrando que muitos deles afetam diretamente o desenvolvimento do aluno nas aulas de Educação Física e na vida, e podem ser facilmente percebidos por um profissional atento, são eles:
1 - atraso no desenvolvimento motor desde a fase do engatinhar, sentar e andar;
2 - atraso ou deficiência na aquisição da fala, desde o balbucio á pronúncia de palavras;
3 - parece difícil para essa criança entender o que está ouvindo;
4 - distúrbios do sono;
5 - enurese noturna;
6 - suscetibilidade à alergias e à infecções;
7 - tendência à hiper ou a hipo-atividade motora;
8 - chora muito e parece inquieta ou agitada com muita freqüência;
9 - dificuldades para coordenar movimentos;
10 - dificuldades de adaptação nos primeiros anos escolares.
11- dificuldade com lateralidade, entre muitos outros sintomas e sinais.
[2]Assim, munidos de mais informações podermos ajudar de forma mais acertada e duradoura essas crianças que cruzarem nossos caminhos, para tanto disseminando a idéia do filme, de que toda criança é realmente especial e deve ser tratada com respeito, profissionalismo e humanidade.
1.4 REFERÊNCIAS
Ciasca, S. M. (Org). Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
Ultimo acesso em 07/08/2011